A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou, nesta terça-feira (10), 15 pessoas – entre elas quatro desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ/BA) e três juízes estaduais – pelos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro. Encaminhada ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), a ação é decorrente de inquérito instaurado a partir da descoberta de indícios da existência de uma organização criminosa que operou entre 2013 e 2019, e que tem como principal operador Adaílton Maturino dos Santos. O esquema envolveu a venda de sentenças e outros crimes que tinham como propósito permitir a grilagem de terras no oeste do estado baiano. Dada a complexidade do caso e a apreensão de novos elementos de prova, os investigadores solicitaram ao relator, ministro Og Fernandes, a continuidade das investigações para aprofundamento das apurações em relação a fatos e pessoas não relacionados na denúncia.
A denúncia detalha a atuação criminosa do chamado núcleo judicial e a sua relação com os operadores do esquema. Conforme o Ministério Público Federal (MPF), a organização atuava por meio de três núcleos: o judicial, o causídico e o econômico. O núcleo econômico era formado por produtores rurais dispostos a pagar por ordens judiciais que os permitissem legitimar a posse e a propriedade de imóveis onde exerciam as suas atividades. O jurídico contava com desembargadores e juízes, além de servidores do TJ/BA. Os primeiros, proferiam as decisões negociadas pelos operadores do esquema enquanto os servidores auxiliavam na elaboração de minutas e petições. Já o núcleo causídico era formado por advogados que intermediavam as negociações entre membros dos núcleos jurídico e econômico, formalizavam os acordos e adotavam as providências judiciais e extrajudiciais necessárias para garantir o proveito obtido com as decisões judiciais negociadas.
Ao descrever o conjunto de provas que sustentam a acusação, a PGR menciona a análise de dados telefônicos e bancários dos envolvidos, sobretudo dos membros do núcleo judicial denunciados, e seu relacionamento com os demais operadores do esquema. Foram verificados, entre outras provas, troca de ligações em datas próximas a atos processuais, contatos variados com advogados ligados a outros integrantes da organização criminosa, além de movimentações financeiras de valores expressivos, em espécie e sem a indicação da origem. Conforme a denúncia, integrantes do núcleo judicial atuaram em ações envolvendo centenas de milhares de hectares de terras localizadas na região oeste do estado.
As cifras milionárias relacionadas ao caso são apontadas como fator decisivo para que outros magistrados fossem atraídos para o esquema criminoso, além dos servidores do tribunal. As provas reunidas durante as investigações revelaram que parte dos recursos movimentados com as operações foi destinada aos agentes públicos denunciados.
Segundo a denúncia, o ponto de partida do esquema criminoso foi o plano executado por Adailton Maturino para validar matrículas de imóveis em nome de José Valter. Com essa medida – efetivada com a participação dos demais envolvidos, inclusive os magistrados – Valter saiu da condição de borracheiro para a de maior latifundiário da região, numa composição patrimonial que abarca cerca de 366 mil hectares de terras e cifras que superam R$ 1 bilhão, em valores atualizados. Para viabilizar as atividades criminosas, Adailton Maturino chegou a constituir uma empresa de fachada, cujo capital social declarado era de R$ 580 milhões.
No documento, o MPF sustenta que, embora os envolvidos tenham tentado esconder a vinculação criminosa entre as respectivas atuações profissionais e o pagamento de vantagens indevidas por parte de Adailton, “o cruzamento de chamadas telefônicas entre eles, no período sindicado, não deixa dúvida de que todos atuaram sincronizados, para tanto”. A denúncia faz referência, ainda, a dois homicídios que podem ter relação com os fatos apurados, embora não sejam objeto da ação proposta neste momento.
Atos de ofício – A denúncia detalha seis linhas de investigação que retratam situações em que os magistrados atuaram de forma indevida e beneficiaram integrantes do núcleo econômico e a si próprios, diante dos sinais de acréscimo patrimonial e mecanismos de lavagem de dinheiro nesse período. Há registro de decisões em apelações, agravo de instrumento, embargos à execução, mandados de segurança, recursos administrativos e até edição de portarias. Também especifica a situação dos investigados em relação a atos de lavagem de dinheiro, posse de bens de alto valor, como joias e obras de arte, além de carros de luxo, dinheiro em espécie, sendo confirmadas movimentações suspeitas e incompatíveis com a renda declarada.
Em relação a Adailton Maturino e a esposa Geciane Maturino, operadores do esquema, além das informações bancárias, a denúncia relata a descoberta e apreensão de nove veículos de luxo importados (parte deles registrada em nome de terceiros) uma aeronave e outros indícios de crimes por meio de empresas constituídas para a blindagem patrimonial dos envolvidos. O casal se apresentava como diplomatas de Guiné Bissau, informação que não consta de nenhum registro do Ministério das Relações Exteriores. E até como “ príncipe soberano de Santo Estevão” em menção referente à negociação de criptomoedas. Para os investigadores, trata-se de provas contundentes da prática de lavagem de dinheiro para esconder a origem ilícita dos recursos.
Além de pedir que os denunciados respondam pelos crimes indicados na proporção da participação de cada um no esquema, bem como a continuidade das investigações, a Procuradoria-Geral da República requereu a prorrogação do afastamento dos quatro dos cargos de desembargadores e dos dois juízes por 180 dias. Também pediu que seja afastado das atividades o terceiro juiz denunciado (Márcio Braga), contra quem ainda não há medida cautelar neste sentido. A mesma providência também foi requerida em relação a Antônio Roque do Nascimento Neves, assessor do desembargador Gesivaldo Britto.