Após longa sessão, realizada por videoconferência nesta quarta-feira (2), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) referendou o afastamento cautelar do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), pelo prazo inicial de 180 dias, mantendo decisão monocrática proferida pelo ministro Benedito Gonçalves na última sexta-feira (28). A decisão colegiada atende manifestação do Ministério Público Federal (MPF) que, em memorial encaminhado à Corte, defendeu a manutenção da medida. Também na última sexta, o MPF ofereceu denúncia contra o chefe do Executivo estadual, a primeira-dama, Helena Witzel, e outras sete pessoas por corrupção (ativa e passiva) e lavagem de dinheiro.
Para o MPF, a continuidade do afastamento é necessária para assegurar a ordem pública, a instrução criminal, a aplicação da lei penal e, ao mesmo tempo, o Estado Democrático de Direito e os direitos e garantias fundamentais do investigado. Segundo a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo, que assina a manifestação, o Regimento Interno do STJ estabelece que cabe ao ministro relator tomar decisões monocráticas em casos de urgência. Lembrou ainda que não houve ineditismo na decisão do ministro no caso Witzel, visto que Luiz Fernando Pezão, à época governador do Rio de Janeiro, foi preso preventivamente por decisão monocrática do ministro Felix Fischer.
No julgamento desta quarta-feira, à exceção do ministro Napoleão Nunes Maia, 14 magistrados ministros seguiram o entendimento do relator quanto ao afastamento e em relação à manutenção de outras medidas cautelares, como a impossibilidade de o governador frequentar as dependências da sede do governo estadual e de se comunicar com demais investigados. O ministro Sérgio Kukina votou ainda pela decretação da prisão preventiva, mas ficou vencido nessa questão.
Para a ministra Laurita Vaz, o material colhido nas buscas e apreensões – e em quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático – revelou a existência de fortes indícios de autoria da prática de crimes de corrupção ativa e passiva, organização criminosa e lavagem de dinheiro. “Há evidência de vazamento de informações sensíveis da investigação, pois se constatou que os requeridos foram informados da deflagração das operações. […] No dia das buscas e apreensões, foram encontrados documentos rasgados com investigados, em clara tentativa de destruição de elementos úteis à apuração dos fatos”, reforçou.
Ao proferir o voto, também pelo referendo da cautelar, a ministra Nancy Andrighi mencionou as investigações, que apontaram a participação dos envolvidos como controladores informais de empresas que têm contrato direto com órgãos estaduais em áreas como saúde, educação, ciência e tecnologia e trânsito. Segundo ela, nesses acordos há fortes indícios de ilicitudes, como fraudes em licitações e sucessivas renovações injustificadas de contratos emergenciais.
Com relação à participação do governador no suposto esquema criminoso, Andrighi considera que a questão assume maior importância, pois há atos administrativos inerentes ao exercício da função pública no Executivo estadual, como a nomeação de secretários e a assinatura de contratos e de convênios de repasses de verbas públicas com empresas, organizações sociais e prefeituras também alegadamente envolvidas nas fraudes e desvios. “As medidas cautelares são razoáveis e adequadas para prevenir, não só a continuidade dos alegados delitos como o acesso a elementos de prova importantes para apuração dos fatos”, pontuou.
“Todos os elementos juntados aos autos pelo Ministério Público Federal comprovam em juízo de cognição sumária a materialidade e indícios suficientes de autoria em relação a todos os representados, decididos liminarmente pelo ministro relator”, concluiu o presidente do STJ, Humberto Martins.
Denúncia – Na denúncia apresentada ao STJ, o MPF aponta que o governador Wilson Witzel utilizou-se do cargo para estruturar uma organização criminosa que movimentou R$ 554.236,50 em propinas pagas por empresários da saúde ao escritório de advocacia de sua esposa. O casal foi denunciado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na forma de crime continuado, reiterado por 25 vezes. Na petição, a PGR pede a condenação dos acusados, a decretação da perda do cargo público de Wilson Witzel e o pagamento de indenização mínima de R$ 1.108.473,00 aos cofres públicos.
No documento, a Procuradoria-Geral da República (PGR) apresenta provas de que o governador liderou três grupos empresariais – que representam quatro empresas – que disputavam o poder no governo do estado mediante o pagamento de vantagens indevidas a agentes públicos. Esses grupos lotearam algumas das principais pastas estaduais – a exemplo da Secretaria de Saúde – para implementar esquemas que beneficiassem suas empresas. Em troca do apoio do governador, os empresários firmavam contratos fictícios com o escritório de advocacia de Helena Witzel, o que permitia a transferência indireta de valores pagos por Mário Peixoto e Gothardo Lopes Netto a Wilson Witzel.
As provas colhidas englobam comprovantes de pagamentos, quebra de sigilos fiscal, bancário e telemático, além de relatos de colaboradores, entre outros fatos. O conteúdo exposto ao STJ revela sofisticada organização criminosa instalada no Rio de Janeiro, repetindo esquema criminoso praticado pelos últimos dois ex-governadores cariocas (Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão).