O julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que pode flexibilizar a Ficha Limpa, previsto para ser retomada na tarde desta quarta-feira (9), põe em polos opostos um dos idealizadores da lei, o juiz aposentado Márlon Reis, e o PDT do pré-candidato à Presidência Ciro Gomes.
O Supremo analisará um pedido do PDT para que seja encurtado o tempo que um condenado fica inelegível, de pelo menos oito anos, o que tem sido criticado por movimentos contra a corrupção —como o MCCE (Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral), fundado por Reis.
A tendência é que, no tribunal, os cálculos sejam flexibilizados ao menos em alguns pontos pelos ministros.
O partido afirma que, com a solicitação, busca acabar com desproporcionalidades em sanções aplicadas devido à Lei da Ficha Limpa. Para o PDT, a atual aplicação da lei provoca uma dupla condenação a quem deseja ser candidato.
A tentativa de mudanças que o partido quer aplicar provocou nos últimos anos questionamentos a Ciro, que pretende concorrer novamente ao Planalto e exaltou no passado que era livre de processos.
“Sou ficha limpa! Nunca respondi por nenhum malfeito em 38 anos de vida pública”, escreveu em rede social na época da campanha de 2018.
Em dezembro de 2020, o relator da ação, ministro Kassio Nunes Marques, concedeu uma liminar (decisão provisória) favorável ao entendimento do partido.
A Lei da Ficha Limpa define que políticos condenados por órgãos colegiados (como tribunais de segunda instância) ou cujo processo tenha transitado em julgado ficam inelegíveis desde a condenação até oito anos depois de cumprirem a pena.
A lei lista dez tipos de crimes aos quais se aplica a proibição de disputar eleições, como corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas.
A redação original da norma diz que a inelegibilidade tem início na condenação e só acaba oito anos depois de o condenado ter cumprido a sua pena.
Kassio, à época, suspendeu os efeitos da frase “após o cumprimento da pena”, que o PDT considera inconstitucional. Com isso, o cálculo muda e a político fica inelegível por oito anos a partir do momento em que é condenado por um tribunal colegiado. Após esse período, pode concorrer novamente.
A questão, que já tem levantado divergências entre os ministros do Supremo, começou a ser julgada em plenário virtual, quando o ministro Luís Roberto Barroso divergiu de Kassio a respeito de alguns pontos.
O principal é que, para Barroso, o período de inelegibilidade que alguém cumpriu entre ser condenado por colegiado até o trânsito em julgado (quando não é mais possível recorrer da ação) deve ser deduzido da punição de oito anos após o cumprimento da pena.
Por exemplo: alguém é condenado em órgão colegiado por um crime previsto na Lei da Ficha Limpa e fica inelegível. Atualmente, se a condenação for mantida após o trânsito em julgado, essa pessoa ainda teria que ficar inelegível por oito anos após o cumprimento da pena.
O juiz aposentado Márlon Reis tem defendido ao Supremo, como representante do MCCE, que não haja mudanças na forma como se interpreta a Ficha Limpa.
Para ele, o pedido do PDT “vai igualar situações como a de um professor que foi expulso da sua carreira em processo administrativo ao de uma pessoa condenada por narcotráfico”.
“Esse dispositivo que querem relativizar se refere somente delitos mais graves”, afirma Reis, citando como exemplo, além do tráfico, homicídio, estupro e corrupção. “Seria um grande retrocesso.”
A Lei da Ficha Limpa, que teve Reis como um dos criadores, foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2010.
Da Folha