A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou, por 3×2 votos, o deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (SD/SP), à pena de 10 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial fechado, além de 226 dias-multa, pela prática de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, lavagem de dinheiro e associação criminosa. A decisão foi tomada no julgamento da Ação Penal (AP) 965, em sessão virtual da Primeira Turma, finalizada na noite de sexta-feira (5).
O Ministério Público Federal (MPF) denunciou Paulo Pereira da Silva por participação em esquema de desvio de recursos de financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Votaram pela condenação os ministro Luís Roberto Barroso e Luiz Fux e a ministra Rosa Weber. Votaram pela absolvição, por considerarem não haver provas suficientes para a condenação, o relator, ministro Alexandre de Moraes, e o revisor da ação penal, o ministro Marco Aurélio.
Além da pena de prisão e da imposição de multa, Paulinho da Força também foi condenado ao ressarcimento de R$ 182 mil ao BNDES, com correção monetária desde abril de 2008, a título de reparação por danos materiais, e à perda do mandato parlamentar após o trânsito em julgado da sentença. Ele também fica impedido de exercer cargo ou assumir função pública. O deputado federal foi condenado por crime contra o Sistema Financeiro Nacional (artigo 20 da Lei 7.492/1986), lavagem de dinheiro (artigo 1º, inciso VI, da Lei 9.613/1998) e formação de quadrilha (artigo 288, caput, do Código Penal).
O julgamento teve início em março deste ano e foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso, após os votos dos ministros Alexandre de Moraes (relator) e Marco Aurélio (revisor) pela absolvição de Paulinho da Força. Barroso apresentou seu voto-vista na sessão virtual iniciada no dia 29 de maio e concluída em 5 de junho, e divergiu dos colegas ao julgar procedente a ação penal pela condenação do réu.
Denúncia
Segundo a denúncia apresentada pelo MPF, o deputado federal Paulinho da Força se associou a diversas outras pessoas para o desvio e a lavagem de recursos provenientes de contratos de financiamento entre o BNDES e as Lojas Marisa S/A (contrato às fls. 2.517-2529 e 2.533-2.543) e do banco com a Prefeitura de Praia Grande/SP (contrato às fls. 2.504-2.516). O parlamentar inicialmente não era alvo da chamada “Operação Santa Teresa”, realizada pela Polícia Federal em São Paulo, para investigar uma organização criminosa dedicada à prática dos crimes de tráfico internacional de mulheres, favorecimento à prostituição e tráfico interno de pessoas.
Entretanto, segundo os autos, no decorrer da apuração verificou-se que os envolvidos no esquema também se dedicavam à prática de crimes contra o sistema financeiro nacional, mais especificamente o desvio de verbas de financiamentos do BNDES. Para o MPF, o parlamentar, que também é presidente da Força Sindical, participava de ações do grupo e se beneficiava da partilha da “comissão” cobrada aos beneficiários dos financiamentos concedidos pelo BNDES.
Defesa
Preliminarmente a defesa sustentou a inépcia da denúncia e que foi ilegal a ação controlada para a obtenção de provas, por estarem contaminadas. Alegou ainda falta de fundamentação nas decisões judiciais que prorrogaram o prazo da interceptação telefônica. No mérito, a defesa alegou, em primeiro lugar, que somente o tomador do financiamento poderia cometer o delito previsto no artigo 20 da Lei nº 7.492 /1986 e, mesmo que caracterizado o crime, não teria ocorrido nenhum ato de ocultação ou dissimulação do dinheiro recebido.
Além disso, a defesa afirmou que, em relação ao financiamento concedido às Lojas Marisa S.A., não houve sequer violação contratual, pois já havia previsão de gastos com consultoria no projeto aprovado pelo BNDES, e que foi comprovada a efetiva prestação da consultoria por emails trocados entre a empresa responsável e o BNDES. Quanto ao financiamento concedido à Prefeitura de Praia Grande/SP, a defesa argumentou que a empresa responsável pela consultoria foi remunerada exclusivamente com recursos privados, que o serviço foi prestado e que nos dois casos o BNDES não detectou irregularidade. Por fim, a defesa sustentou que Paulinho da Força foi vítima de tráfico de influência por pessoa que utilizou o nome do parlamentar para obter vantagens.
Voto-vista
Em seu voto, o ministro Roberto Barroso destacou que, em seu entender, há provas da participação do parlamentar no esquema criminoso, desde amizade com os demais investigados, até informações obtidas a partir de dados bancários, fiscais e telefônicos durante a investigação. Há também dados sobre a existência de influências políticas em favor do grupo responsável pelo desvio de recursos do BNDES. Segundo o ministro, a aplicação em finalidade diversa consistiria no pagamento de “comissões” pelos contratos de financiamento, que variavam de 2% a 4%.
O acusado teria indicado dois representantes da Força Sindical para o Conselho de Administração do BNDES, com o fim de facilitar os financiamentos e justificar o repasse de valores obtidos pelos beneficiários. Depois teria sido utilizada uma empresa de consultoria pertencente a um corréu para o desvio dos valores das empresas beneficiárias dos recursos e posterior repartição entre os membros da quadrilha. Barroso acrescentou que o acusado “teria lavado o dinheiro proveniente desses crimes, pela utilização de contas de pessoas jurídicas com as quais tinha ligação para o depósito das quantias desviadas em seu favor, assim como seu posterior saque em espécie, como forma de ocultar e dissimular o produto do ilícito”.
Na avaliação do ministro, “os documentos apreendidos, os resultados das vigilâncias policiais e os depoimentos colhidos em Juízo demonstram, acima de qualquer dúvida razoável, que o acusado concorreu para o desvio de valores de financiamentos concedidos pelo BNDES”. Para a consumação do delito do artigo 20 da Lei n° 7.492/1986, segundo Barroso, “basta que parte dos valores do financiamento não seja aplicada no objeto do contrato. Se parcela dos valores é direcionada para serviços de consultoria, com a finalidade de serem posteriormente, ainda que apenas em parte, direcionados a terceiros, logicamente houve aplicação em finalidade diversa da estipulada no contrato”.
Quanto à prática de quadrilha, para o ministro há provas suficientes a demonstrar a participação do acusado em associação estável e permanente para a prática de crimes indeterminados.
Assim, o ministro votou pela condenação de Paulo Pereira da Silva e elevou a pena imposta, pois entendeu que a “culpabilidade devia ser valorada negativamente, tendo em vista se tratar de deputado federal, membro de poder eleito para elaborar as leis e fiscalizar a obediência ao ordenamento jurídico, o que eleva o grau de sua responsabilidade social”, e uma vez que “como presidente da Força Sindical, com a possibilidade de indicar um membro do Conselho de Administração do BNDES, cabia-lhe defender os interesses democráticos na aplicação dos recursos. Fez, porém, justamente o contrário, valendo-se do cargo para desviar valores em proveito próprio”, afirmou. O ministro Luiz Fux e a ministra Rosa Weber acompanharam o voto divergente do ministro Barroso.
Perda do mandato
Em decorrência da condenação em regime inicial fechado, o ministro Barroso decretou ainda em seu voto a perda do mandato parlamentar de Paulinho da Força, lembrando entendimento já firmado pela Primeira Turma. “Nos casos em que fixado o regime inicialmente fechado para o cumprimento da pena privativa de liberdade, o condenado não terá condições de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertence (CF, artigo 55, inciso III), de modo que a hipótese é de perda automática do mandato, a ser meramente declarada pela Mesa da Câmara dos Deputados, nos termos do artigo 55, parágrafo 3°, da Constituição”, apontou Barroso, determinando que seja oficiada a Câmara dos Deputados, após o trânsito em julgado da sentença, para esse fim.
Além da perda do mandato, Paulo Pereira da Silva também fica impedido de exercer cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, de membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas referidas no artigo 9º da Lei 9.613/1998, pelo dobro do tempo da pena privativa de liberdade aplicada, previsto nessa lei.