A empreiteira Engefort tem conquistado a maioria das concorrências de pavimentação do governo Bolsonaro em diferentes licitações nas quais participou sozinha ou na companhia de uma empresa de fachada registrada em nome do irmão de seus sócios.
A construtora, com sede em Imperatriz, sul do Maranhão, explodiu em verbas na atual gestão e sob Bolsonaro foge de sua tradição ao obter também contratos para asfaltamento longe de sua base.
Até agora, o governo reservou cerca de R$ 620 milhões do Orçamento para pagamentos à empresa —o valor total já quitado a ela soma R$ 84,6 milhões. Apesar do volume, a empresa é uma caixa-preta e silencia sobre seus contratos e a firma de fachada usadas nas concorrências.
A fonte de recursos dela são contratos com a Codevasf, estatal federal entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político, e as verbas das emendas parlamentares, ampliadas no esquema do toma-lá-dá-cá pelo Congresso no atual governo.
Procurada, a Codevasf não respondeu aos questionamentos específicos sobre a Engefort.
No ano passado, a Engefort Construtora e Empreendimentos liderou os repasses da Codevasf. Também em 2021, foi a segunda construtora em volumes totais empenhados pelo governo federal, atrás da LCM Construção, que acumulou R$ 843 milhões em verbas reservadas.
A Folha analisou documentos de 99 concorrências de pavimentação da Codevasf realizadas em 2021 por meio de um tipo de licitação simplificada chamada pregão eletrônico, que ocorre de forma online.
Esses pregões, como mostrou a Folha neste final de semana, fazem parte de uma manobra licitatória que passou a ser usada em larga escala sob Bolsonaro para dar vazão aos recursos bilionários das emendas parlamentares, distribuídas a deputados e senadores com base em critérios políticos e que dão sustentação ao governo no Congresso.
A estratégia deixa em segundo plano o planejamento, a qualidade e a fiscalização, abrindo margem para serviços precários, desvios, superfaturamentos e corrupção.
Na Codevasf, as concorrências envolveram diferentes tipos de pavimentação, como asfalto com CBUQ (Concreto Betuminoso Usinado a Quente), asfalto com TSD (Tratamento Superficial Duplo), bloquetes de concreto e paralelepípedos.
A Engefort foi a única empreiteira que participou de todas essas licitações no Distrito Federal e nos 15 estados abrangidos pela Codevasf. A empreiteira ganhou 53 concorrências, ou mais da metade dos pregões.
O desempenho mais expressivo foi em Minas Gerais, tendo conquistado 28 de 42 licitações nas modalidades asfalto CBUQ e bloquetes.
Apesar de o setor de construção pesada ter mais de 200 empresas em Minas Gerais, em 10 dos 21 pregões para serviços com bloquetes de concreto a Engefort concorreu sozinha e levou os contratos.
Isso é permitido pela lei em situações excepcionais. Em vários casos, a firma ganhou com o preço praticamente cheio, tendo dado um desconto de apenas 0,01% em relação aos valores de referência dos pregões.
Em parte das concorrências da Codevasf, a Engefort teve a companhia de uma empresa que a Folha descobriu ser de fachada: a Del Construtora Ltda., registrada em nome de um dos irmãos dos sócios da líder Engefort.
Um dos casos que mais chamam a atenção é o do pregão eletrônico que levou à assinatura de um contrato no valor de R$ 62,5 milhões para pavimentação no Amapá.
Nessa licitação, as duas únicas empresas participantes foram a Engefort e a Del.
Na documentação apresentada pela Engefort para a disputa, constam como sócios da empresa Carlos Eduardo Del Castilho e Carla Cristiane Del Castilho.
Segundo a ata do pregão, a Del chegou a enviar um link para acesso à sua documentação, porém a pasta estava vazia. Se a firma tivesse apresentado os papéis, teria sido possível verificar que o sócio administrador da Del é Antonio Carlos Del Castilho Júnior, irmão dos sócios da Engefort.
A falta da documentação levou a Del a ser desclassificada, e a Engefort ganhou o contrato também praticamente pelo valor cheio.
Outra licitação em que as duas empresas participaram, novamente com vitória da Engefort, foi um pregão no valor de R$ 55 milhões para pavimentação em vias rurais no Maranhão.
Não há registro de vitórias da Del Construtora em nenhuma concorrência federal ou estadual do Maranhão, de acordo com os portais oficiais consultados pela reportagem.
A consequência prática do uso de empresas de fachada em uma licitação é aparentar concorrência quando na verdade não há. O objetivo é garantir os maiores preços possíveis.
Ao usar uma empresa de fachada para fazer número em uma concorrência, uma empreiteira pode buscar evitar chamar a atenção de órgãos de fiscalização, uma vez que a falta de competitividade pode dar margem a investigações.
Outro uso possível de uma empresa de fachada é para apresentação das chamadas propostas de cobertura, que são ofertas fictícias colocadas ao longo dos pregões segundo um roteiro combinado, para simular concorrência quando já há um resultado previamente combinado ao final dos lances.
A primeira tentativa de contato com representantes da Del ocorreu no endereço indicado nos registros públicos da companhia, no povoado de Lagoa Verde. A reportagem constatou que o endereço indicado não existe.
“Eu nasci aqui na rua e nunca teve nada de construtora por aqui”, afirmou o marceneiro Guilherme Santos Reis, 24.
A reportagem também telefonou para o número da Del Construtora indicado no Portal da Transparência do governo federal. A atendente afirmou que a ligação havia caído na Engefort.
Indagada, ela respondeu: “Está na ficha cadastral aqui da Del mesmo, mas ela também faz parte da Engefort. São dos mesmos donos, na verdade, da mesma família. Associaram esse número à Del. Você quer falar com a Del ou com a Engefort?”
A reportagem pediu o contato de algum representante das empresas, mas nunca houve retorno.
Fernando Teles Antunes Neto, gerente comercial da Engefort, é neto de um ex-secretário estadual no governo Jackson Lago (2007-2009), que também foi presidente do diretório municipal do PDT de Imperatriz e presidente de um comitê criado para promover a proposta da criação de um novo estado, o Maranhão do Sul, a partir da separação da região sul do estado.
Em Imperatriz, a principal obra feita pela empreiteira com recursos de contrato com a Codevasf tem menos de dois anos, já teve de passar por reforma e possui buracos enormes que colocam em risco a segurança de condutores e moradores.
A avenida Manoel Ribeiro, também conhecida como anel viário, foi entregue em dezembro de 2020 com extensão de 2,2 km e custo de R$ 3,8 milhões, para servir de ligação entre a BR-010 e bairros da cidade.
A cerimônia contou com a presença do presidente da Codevasf, Marcelo Moreira, e do deputado federal Juscelino Filho (União Brasil-MA), que destinou o valor de uma emenda parlamentar para a obra.
Quatro meses depois da inauguração, a pavimentação já apresentava grandes buracos e deformidades.
O agricultor Francisco Pimentel de Brito, 48, mora à beira da via e diz que a obra também tem problemas de drenagem.
O motorista de caminhão Natal Ferreira, 36, passa pelo trajeto com frequência. “Alguma coisa acontece aí para não ficar bem feito. É um desperdício de dinheiro”, afirma.
Da Folha de São Paulo