O Ministério Público Federal (MPF) enviou ontem segunda-feira (14) ao Senado nota técnica em que aponta inconstitucionalidades no Projeto de Lei n° 4372/2020, que trata da regulamentação do novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), de caráter permanente. De acordo com o documento, os dispositivos que autorizam o repasse de recursos do Fundo para instituições de ensino privadas violam a Constituição e criam precedente para a precarização do ensino público no país. O PL foi aprovado pela Câmara dos Deputados na última quinta-feira e deve ser apreciado pelos senadores nos próximos dias.
A nota técnica – elaborada por mais de 300 juristas, entre professores universitários, pesquisadores, magistrados e membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas – foi encaminhada aos 81 senadores pela Câmara de Direitos Sociais e Fiscalização de Atos Administrativos em Geral do MPF (1CCR). O documento questiona especificamente alíneas e incisos que autorizam o emprego de recursos do novo Fundeb em instituições comunitárias, filantrópicas ou confessionais e no Sistema S, para oferta conveniada de vagas nos ensinos fundamental e médio, bem como permitem o correspondente pagamento da remuneração de profissionais da educação terceirizados.
As regras impugnadas foram inseridas no texto original do PL por meio de destaques aprovados pela Câmara dos Deputados. De acordo com os parlamentares, o objetivo das medidas é suprir o déficit da rede pública de educação, expandindo a oferta de vagas em creches e na educação básica obrigatória por meio de convênios com instituições privadas. Para os especialistas que assinam o documento, no entanto, essa tese de insuficiência de vagas na rede pública de ensino é um argumento factual e juridicamente inepto para sustentar a regulamentação do novo Fundeb.
Medida injustificada – A nota técnica lembra que o art. 6º da Emenda 59/2009 obrigou a universalização de acesso à educação infantil pré-escolar e ao ensino médio até 31 de dezembro de 2016, enquanto a oferta estatal do ensino fundamental já é obrigatória há décadas, nos termos reforçados com a promulgação da Constituição em 1988. “Há quatro anos, portanto, as redes públicas municipais e estaduais de ensino já deveriam estar totalmente estruturadas para incluir todos os educandos na faixa etária obrigatória de 4 a 17 anos, sob pena de oferta irregular de ensino, o que, por seu turno, é hipótese de crime de responsabilidade dos agentes políticos implicados”, destaca o documento.
Segundo o Ministério Público, em 2020, não são necessárias vagas privadas na garantia de oferta estatal universal da educação básica obrigatória, assim como não foram necessárias em 2016. “O que parece motivar tal pretensão é a demanda das próprias instituições privadas de ensino por sustentação econômica da sua capacidade instalada”, acrescenta a nota técnica.
O documento aponta ainda que, para que haja repasses de recursos públicos para instituições privadas de ensino sem finalidade lucrativa, o §1º do art. 213 da Constituição requer comprovação de insuficiência de vagas. Além disso, exige que haja investimento prioritário e concomitante na expansão das redes municipais e estaduais de ensino. A nota técnica afirma que, de modo injustificado, “as emendas visam legalizar a prestação terceirizada ou indireta do serviço público do ensino e transformar em regra estável e objetivo de governo o que hoje é excepcional”.
O MPF também refuta o argumento de que, ao limitar as matrículas privadas a serem custeadas pelo Fundeb a 10% do total de vagas ofertadas pelo ente federado nos ensinos fundamental e médio, a proposta supostamente respeitaria a diretriz constitucional. De acordo com a análise enviada ao Senado, o referido teto de 10% é, na realidade, um incentivo inconstitucional à expansão dos convênios quando, objetivamente, não há necessidade desse suporte para a universalização já consumada do atendimento desde 2016.
Por fim, a nota técnica ressalta que a proposta é fruto da pressão feita por entidades privadas para oferecer seus serviços e, com isso, obter meios pecuniários para sustentar seus custos de operação. “Diferentemente do que alegam as instituições privadas de ensino, a necessidade mais urgente na educação básica obrigatória brasileira é a de qualificação da própria rede pública e de valorização do magistério composto de servidores efetivos. Caso sejam drenados recursos públicos para entidades privadas de ensino, a rede pública tende a ser precarizada”, conclui o documento.