Em cumprimento a ordem judicial, que atendeu pedido do Ministério Público Federal (MPF), foi presa na manhã de ontem domingo (20), a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) Ligia Cunha. Investigada no âmbito da Operação Faroeste – que apura a venda de sentenças para legalização de terras no Oeste da Bahia – a magistrada foi um dos alvos das medidas deflagradas na última segunda-feira (14), e teve a prisão temporária convertida em preventiva após pedido da subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo. A mesma providência foi requerida em relação à desembargadora Ilona Reis.
De acordo com o pedido do MPF, enviado na sexta-feira (18), a hipótese criminal apurada é a de que as desembargadoras criaram organizações criminosas especializadas em vendas de decisões e lavagem de ativos, com atuação nos conflitos de terras do Oeste baiano e outras regiões. As magistradas contavam com a ajuda de advogados. Lígia Cunha tinha o auxílio dos filhos Arthur e Rui Barata. As investigações apontam a atuação direta de Lígia em quatro processos e tráfico de influência em outro. Pela atuação, ela recebeu R$ 950 mil. Já a organização criminosa de Ilona Reis operou em três processos. Ela recebeu o valor de R$ 300 mil pela relatoria de dois deles, e a promessa do pagamento de mais R$ 500 mil pelo outro.
Para justificar o pedido de conversão da prisão temporária em preventiva, ao longo da peça processual, o MPF descreve o esquema criminoso e apresenta provas da participação das duas desembargadoras. Muitas informações e provas foram repassadas por um advogado, que firmou acordo de colaboração premiada com o MPF. Também foram apresentadas provas da posse de bens incompatíveis com as rendas de desembargadoras, como casas avaliadas em quase R$ 3 milhões, no caso de Lígia, lanchas e carros de luxo.
O MPF argumenta que a corrupção sistêmica no TJBA não cessou após a deflagração da Operação Faroeste, que culminou no afastamento de cinco desembargadores. Pelo contrário. Com isso, “as desembargadoras Lígia Cunha e Ilona Reis assumiram posição de destaque, nessa atividade econômica criminosa, optando a primeira por tentar obstruir as investigações contra ela e os integrantes de sua orcrim, ao passo que Ilona Reis tem procurado ficar fora do radar, com afastamentos e adiamento de julgamentos que a possam colocar em risco”.
Segundo consta na peça, Lígia Cunha intimidou uma servidora do TJBA e a obrigou a apagar informações sobre processos da máquina de outro servidor do tribunal para que não a comprometesse. Também destruiu folhas de uma agenda na qual anotava os processos de interesse da orcrim. Além disso, ordenou a assessores que mudassem posicionamentos em processos com o claro objetivo de não deixar provas contra sua atuação em favor da organização criminosa.
Também são citadas movimentações financeiras suspeitas nas contas de Ilona Reis, sendo algumas delas, totalizando R$ 122 mil em 4 de outubro de 2019, quando, segundo as investigações, a desembargadora teria recebido R$ 250 mil para atuar em um processo cuja decisão foi redigida por outro integrante da orcrim. Foram feitos vários depósitos em espécie e transferência eletrônica. Além disso, foram encontrados arquivos no computador de Ilona com peças processuais produzidas por seu operador e um carro com placa policial adulterada em seu poder que, segundo o MPF, estampa sua estratégia para transitar livremente sem ser rastreada.
Com a desembargadora Lígia Cunha foram encontrados vários documentos relativos à Operação Faroeste, e outros com anotações e valores associados aos seus filhos e também com nomes de algumas autoridades do Judiciário e do Ministério Público da Bahia. “Os elementos advindos com a imersão
probatória produzida demonstram que as investigadas Ilona Reis e Lígia Cunha se envolveram na prática habitual e profissional de crimes de corrupção e de lavagem de dinheiro, numa formatação serial, em total abalo à ordem pública”, assevera o MPF.
A subprocuradora da República Lindôra Araújo afirma ao STJ que é necessária a constrição cautelar das desembargadoras para a conveniência da instrução criminal, principalmente por causa do real risco de ocultação ou destruição de provas que as incriminem. “Não pode ser omitido o fato de que as investigadas Ilona Reis e Lígia Cunha colocam em perigo a normal colheita de provas, na moldagem de uma verdadeira operação de inteligência financeira para movimentação e integração das divisas criminosas, ao passo que soltas elas poderão apagar os rastros de seus crimes e a intimidar testemunhas, obstando o sequenciamento da instrução processual e prosseguimento das investigações, especialmente diante do poderio e da proximidade das desembargadoras com altas autoridades do Poder Judiciário baiano”, diz o MPF. O órgão ministerial também requereu a transferência de Lígia Cunha, no sábado (19), para um estabelecimento prisional, já que neste prazo termina a recomendação médica de repouso domiciliar da desembargadora.