A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou nesta terça-feira (26) recurso em habeas corpus que buscava a concessão de liberdade ao ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, preso preventivamente no curso da Operação Sépsis – desdobramento da Operação Lava Jato –, que apurou o recebimento de propina para a liberação de recursos da Caixa Econômica Federal (CEF).
A defesa alegava excesso de prazo da medida cautelar e ausência de contemporaneidade entre a prisão preventiva do ex-deputado, ocorrida em 2017, e os fatos investigados na operação, que teriam acontecido entre 2011 e 2014.
Por maioria de votos, a Sexta Turma levou em consideração, entre outros fundamentos, a superveniência de condenação do ex-parlamentar à pena de 24 anos e dez meses de prisão, em regime inicial fechado, pelos crimes de violação de sigilo funcional, corrupção ativa e lavagem de dinheiro – o que, para o colegiado, mitiga a alegação de excesso de prazo.
De acordo com o processo, Eduardo Cunha era um dos líderes de organização criminosa que se estabeleceu na CEF e recebia propina para a liberação de financiamentos com recursos do FGTS. Um desses episódios teria ocorrido com as obras do Porto Maravilha, no Rio de Janeiro.
O pedido de habeas corpus foi feito em 2017, sob a alegação inicial de ausência de fundamentação legal que justificasse a prisão cautelar. Após a condenação de Cunha pela 10ª Vara Federal do Distrito Federal, em 2018, a defesa manteve o pedido de liberdade e acrescentou como argumento o suposto excesso de prazo para o encerramento do processo.
Posição de liderança
Relator do recurso em habeas corpus, o ministro Rogerio Schietti Cruz destacou que, ao proferir a sentença de condenação, o magistrado federal de primeira instância entendeu ser necessária a manutenção da prisão de Eduardo Cunha, por considerar que os fundamentos que justificaram a custódia cautelar permaneciam válidos.
O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), ao julgar o pedido inicial de habeas corpus, afirmou que o advento da sentença condenatória afasta a alegação de excesso de prazo. Ainda segundo o tribunal, após as condenações por lavagem de capitais, corrupção e violação de sigilo funcional, seria forçoso reconhecer, no mínimo, a existência de prova de materialidade e de autoria nos delitos, bem como propensão à prática delituosa – o que justifica a manutenção da prisão.
Segundo o ministro Schietti, são idôneos os motivos apontados para justificar a prisão preventiva, pois evidenciaram o risco de reiteração delitiva, pela posição de liderança que o ex-deputado ocupava na organização criminosa e também porque ele responde a outras ações penais por condutas similares.
Além disso – ressaltou o ministro –, o juiz reafirmou, na sentença, a possibilidade de movimentação de contas bancárias mantidas no exterior por Eduardo Cunha, ainda desconhecidas das autoridades brasileiras, e destacou que os autos indicam o recebimento de mais de R$ 80 milhões pelo político em decorrência da atividade criminosa.
“Da mesma forma, não se percebe ausência de contemporaneidade nos fundamentos descritos. Isso porque, embora os fatos apurados na ação penal objeto deste recurso remontem aos anos de 2011 a 2014, foram apontados outros elementos supervenientes – como os demais procedimentos criminais instaurados em desfavor do réu e a possibilidade de movimentação de contas ainda não identificadas no exterior – para demonstrar o periculum libertatis“, disse o relator.
Celeridade
Em relação à alegação de excesso de prazo, Rogerio Schietti enfatizou que a prolação de sentença torna prejudicada a análise de suposta demora injustificada para o encerramento da instrução criminal, como prevê a Súmula 52 do STJ.
Além disso, o ministro entendeu não haver demora excessiva para o julgamento da apelação, especialmente diante da constatação de que o TRF1 tem adotado as providências cabíveis para buscar celeridade na tramitação processual.
“Ademais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme em assinalar que a elevada reprimenda estabelecida na sentença condenatória deve ser considerada para fins de análise de suposto excesso de prazo no julgamento da apelação”, concluiu o ministro ao negar provimento ao recurso em habeas corpus.
Contumácia criminosa
Os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Laurita Vaz acompanharam o voto do relator. Ficaram vencidos os ministros Sebastião Reis Júnior e Nefi Cordeiro.
De acordo com o ministro Saldanha Palheiro, a sentença condenatória não apenas se reportou aos fundamentos do decreto da prisão preventiva, como também apontou a “contumácia criminosa” do ex-deputado.
“Sendo assim, já se mostra, a meu ver, devidamente motivada a manutenção da segregação antecipada, nos moldes da jurisprudência pacífica desta corte, que é no sentido de que o risco de reiteração delitiva autoriza a privação da liberdade do réu, com vias a garantir a ordem pública”, afirmou.
Segundo o ministro, se a prisão preventiva foi reconhecida como necessária durante a instrução processual, quando ainda estava em avaliação a pertinência da acusação, seria incongruente soltar o réu após a sentença condenatória, proferida depois da análise das provas produzidas mediante contraditório – especialmente se, desde o início, a prisão foi justificada em razão do risco de reiteração delitiva.
“Independentemente da idoneidade ou não dos outros fundamentos contidos na sentença condenatória para a preservação da segregação preventiva do recorrente, a reiteração criminosa, o fato de ele ter respondido justificadamente preso ao processo e a alta pena aplicada – a saber, 24 anos e dez meses de reclusão – parecem-me autorizar a negativa do apelo em liberdade ante a necessidade de se garantir a ordem pública”, concluiu.