Anotações manuscritas e mensagens em aparelhos celulares apreendidos pela Polícia Federal mencionam três deputados federais do PL em conexão com suposto desvio de emendas orçamentárias destinadas à saúde no Maranhão.
Os parlamentares citados são Josimar Maranhãozinho (PL-MA), Pastor Gil (PL-PB) e Bosco Costa (PL-SE). Seus nomes aparecem em documentos obtidos na Operação Ágio Final, deflagrada pela PF maranhense em 3 de dezembro de 2020.
A operação investiga um esquema de extorsão contra prefeituras que foram beneficiadas com as emendas obtidas pelos deputados.
O cabeça da organização seria o agiota Josival Cavalcanti da Silva, conhecido como Pacovan, dono de postos de gasolina no estado que seriam usados para lavagem de dinheiro.
Segundo a PF, Pacovan se apresentava junto a prefeitos como responsável por obter as emendas junto aos deputados envolvidos no esquema. Em troca, exigiria deles a devolução de uma parte do dinheiro como pagamento de propina, em valores que poderiam chegar a 25%.
Esse desvio ocorreria por meio de contratos com empresas de fachada. Uma parte seria repassada aos deputados, mediante comissão de Pacovan e seu grupo.
A ação da PF foi possível após denúncia feita no ano passado por um dos prefeitos abordados pelo grupo, Eudes Sampaio (PTB), de São José do Ribamar (MA), que não se reelegeu.
“O conjunto de elementos probatórios obtidos no decorrer da investigação aponta que Josival Cavalcanti da Silva (Pacovan) atuou como mentor intelectual da associação criminosa, arregimentando pessoas e recursos de modo a viabilizar as extorsões praticadas em desfavor do prefeito Eudes Sampaio”, diz relatório assinado pelo delegado da PF-MA Itawan de Oliveira Pereira, com data de 17 de dezembro.
Para viabilizar a extorsão, Pacovan contava com os serviços de subordinados, entre eles os irmãos Abraão Nunes Martins Filho, vereador em Itapecuru-Mirim (PDT), e Adones Gomes Martins.
Eles teriam como função ameaçar prefeitos que resistissem ao pagamento da propina. Também faz parte da quadrilha, segundo a PF, o ex-prefeito de Água Doce (MA) Antonio José Silva Rocha (PSDB), conhecido como Rocha Filho.
Na casa de Rocha Filho, a PF apreendeu papéis com referências aos repasses federais. “Foram encontrados na residência de Rocha Filho diversos documentos relacionados com repasses federais destinados a municípios do interior do Maranhão, além de planilhas com valores e nomes de prefeituras relacionados”, afirma o relatório.
Um dos documentos, uma lista manuscrita, indica três emendas destinadas a São José do Ribamar, mencionando os deputados responsáveis por elas.
Também são citados os valores totais dos repasses e a propina a ser cobrada do prefeito, correspondente a 25% do recurso obtido do Orçamento federal.
A lista menciona emendas de R$ 4.123.000 do deputado Bosco Costa (R$ 1.030.750 referente à parcela de 25%), de R$ 1.500.000 de Josimar Maranhãozinho (R$ 375 mil de propina) e R$ 1.048.000 de Pastor Gil, com R$ 262 mil de propina.
“Os valores discriminados na anotação são idênticos aos valores de emendas parlamentares constantes na notícia crime encaminhada pelo prefeito de São Jose de Ribamar”, afirma o relatório da PF.
Os nomes dos parlamentares também aparecem em uma mensagem de WhatsApp trocada entre o filho de Pacovan, que trabalha com o pai, e Abraão Nunes Martins Filho, um dos responsáveis por fazer a cobrança da extorsão, geralmente com uso de intimidação e violência.
Outro indício foi obtido a partir de mensagem de Pacovan cujo destinatário é um assessor do prefeito Sampaio.
Nele, o agiota relata que esteve em Brasília “pela segunda vez” tratando da liberação das emendas pelos deputados. Após citar os três parlamentares e os valores que conseguiram, ele diz que vai levar os parlamentares pessoalmente ao encontro do prefeito, supostamente como forma de pressionar pelo recebimento da propina.
“Caso haja alguma dúvida, trarei os deputados epigrafados aqui ao Maranhão, mas precisamente no seu município pra dirimir toda é qualquer dúvida”, escreve Pacovan.
Há também referências a uma pessoa identificada como “Fernando do Dep.Hildo Rocha [MDB-MA]”. Segundo Pacovan, ele estaria “ciente de que todas essa emendas são de deputados ligados a mim”.
Não há referências a emendas de Rocha, no entanto.
De acordo com a PF, o esquema se repetiria em outros municípios maranhenses. A citação aos deputados, por enquanto, não configura prova do envolvimento deles. A apuração em questão se limitou a suposta extorsão que era feita. No relatório final da operação enviado à Justiça, o delegado pediu para poder compartilhar as informações com o grupo da PF que investiga políticos com foro, que fica em Brasília.
Nesse grupo da polícia, antes mesmo do inquérito do Maranhão, já havia outra investigação sendo feita, especificamente sobre desvio de emendas da saúde –essa corre no Supremo Tribunal Federal. Em decorrência dessa apuração, em 9 de dezembro, a PF deflagrou a operação Descalabro, e fez busca e apreensão em endereços ligados a Josimar Maranhãozinho. Na época, divulgou ter encontrado R$ 2 milhões em espécie no escritório parlamentar dele em São Luís (MA).
Nessa operação, chamada de Descalabro, o deputado é investigado por suspeita de fazer parte de um esquema semelhante ao investigado pela PF maranhense, de desvio de dinheiro de emendas destinadas à saúde. O caso está sob sigilo.
Outro lado
Procurada, a assessoria do deputado Josimar Maranhãozinho disse que não se pronunciaria por não ter tido acesso ao relatório.
Em dezembro de 2020, o parlamentar afirmou ao G1 que destinou mais de R$ 15 milhões aos municípios maranhenses de forma legal. O montante encontrado no escritório seria referente a sua atividade pecuária e empresarial.
Por meio de sua assessoria, o deputado Pastor Gil disse que desconhece a existência de lista que o cite. “Nunca compactuei com qualquer esquema de desvio de dinheiro público”, declarou.
O parlamentar afirma que destinou emenda para a cidade de São José de Ribamar dadas as carências do município. “Por conhecer bem a situação de São José de Ribamar e, claro, ter tido mais de 2.000 votos do povo ribamarense é que procurei o então prefeito, Eudes Sampaio, e garanti a ele que encaminharia uma emenda parlamentar para ajudar na área da Saúde”.
“Assim foi feito. Foi liberado e ficou na responsabilidade do prefeito a aplicação da verba destinada”, declarou.
Já o deputado Bosco Costa disse que “tem por norma não comentar o trabalho da Polícia Federal ou autoridades judiciárias”. “Entretanto, esclarece que não tem relação com a emenda citada, visto que a mesma não é de sua lavra”, afirmou, por meio da assessoria.
Da Folha de S. Paulo