Primeira mulher a assumir o comando da Superintendência da Controladoria Geral da União (CGU) no Maranhão, Leylane Maria da Silva é auditora do órgão de fiscalização e controle há 17 anos e, nesta semana, esteve, junto com a Polícia Federal, à frente de uma operação desencadeada para coibir desvios de recursos destinados ao combate à pandemia do novo coronavírus em pelo menos seis municípios do Maranhão, inclusive São Luís.
Segundo ela, contudo, este foi apenas o ponto de partida para uma série de fiscalizações de verba federal empregada contra a Covid-19 em todo o Maranhão.
“Desde o início da pandemia e assim que começaram os repasses de recursos para os estados e municípios, a CGU começou a levantar os dados correspondentes”, destacou.
A titular da CGU aponta, ainda, que não apenas municípios, mas também o Governo do Estado e até órgãos federais podem entrar na mira das fiscalizações, desde que haja indícios de irregularidade.
Para Leylane da Silva, além da atuação coordenada com outros órgãos como a PF, o TCE e o Ministério Público, a CGU conta com a colaboração da população para chegar aos malfeitos. “A população é quem mais tem condições de reportar de forma enriquecida o que está acontecendo na sua realidade local, o que pode ajudar bastante a desbaratar esquemas de desvios. Os canais de denúncia estão abertos e disponíveis”, ressaltou.
Nesta semana a Controladoria Geral da União (CGU), em conjunto com a Polícia Federal, desbaratou um suposto esquema de fraude em licitações em pelo menos seis municípios do Maranhão, São Luís incluída. Pode-se dizer que a Operação Cobiça Fatal foi o ponto de partida para uma atuação mais efetiva contra desvios de recursos destinados ao combate à Covid-19?
Com certeza. Desde o início da pandemia e assim que começaram os repasses de recursos para os estados e municípios, a CGU começou a levantar os dados correspondentes para buscar uma atuação coordenada juntamente com os órgãos da Rede de Controle da Gestão Pública no Maranhão. Todos os órgãos estão atuando dentro das suas competências. Além do contrato que foi objeto da Operação Cobiça Fatal, vários outros contratos suspeitos estão sendo acompanhados pela CGU neste momento, com o repasse e a troca de informações entre os órgãos parceiros em tempo real.
Já foi possível rastrear o destino do dinheiro desviado no caso da compra superfaturada de máscaras em São Luís? E qual pode ter sido a participação efetiva de servidores da Semus?
O rastreio dos recursos desviados será possível com a análise dos dados do sigilo bancário dos envolvidos, afastado por decisão do Juízo da 1ª Vara Federal do Maranhão. De forma bastante resumida eu diria que os mesmos agentes públicos que participaram – do início ao fim – do processo de contratação de 100 mil máscaras ao preço unitário de R$ 2,90 no dia 30 de março, foram os mesmos que participaram da contratação de 320 mil máscaras ao valor unitário de R$ 9,90 a partir de cotações de preços apresentadas apenas 3 dias após a contratação de 30 de março, ignorando o fato de que as propostas de preços nos valores de R$ 3,00 e R$ 3,50 constantes do Processo nº 17637 ainda estavam dentro do prazo de validade. O que justificaria um órgão ter adquirido máscaras a R$ 9,90 a unidade, se poderia ter aproveitado as propostas de preços constantes de um processo feito poucos dias antes, com valores bem inferiores, R$ 3,00 e R$ 3,50 e que, frise-se, ainda estavam válidas e se encontravam à disposição da Secretaria de Saúde?
Além de contratos com prefeituras, a CGU analisa, junto com a PF, a aplicação de recursos de enfrentamento ao Covid-19 pelo Governo do Estado?
Sim. A CGU analisa a aplicação de qualquer recurso público destinado ao enfrentamento do Covid-19 pelos municípios, pelo Estado, pelos órgãos e entidades do Governo Federal e por entidades privadas sem fins lucrativos, necessitando apenas que o recurso seja de origem federal.
Há uma diretriz geral de apuração, para se “seguir o dinheiro”, ou a CGU trata caso a caso?
A partir dos repasses que são feitos para os entes subnacionais e órgãos do governo federal, a CGU levanta todos os dados correspondentes e faz uma avaliação preliminar de riscos das contratações para elencar as prioridades de atuação. Essa análise envolve a avaliação do valor total do contrato (materialidade), valor unitário dos itens contratados (possibilidade de sobrepreço e superfaturamento de valor), objeto do contrato (compatibilidade quantitativa e qualitativa do contrato), empresa contratada (capacidade de fornecer o objeto, empresas de fachada ou constituídas e nome de laranja, etc.), existência de pagamentos antecipados e outros indicadores. Todos esses dados são levantados a partir de consultas de sistema e cruzados para então se definir em quais contratações atuar.
Existe alguma estimativa de qual o montante dos recursos para aplicação na pandemia a serem fiscalizados?
Qualquer valor repassado pelo Governo Federal pode ser fiscalizado pela CGU. Não há uma definição de valores para tanto. As fiscalizações serão realizadas a partir das análises de riscos e levando-se em conta a capacidade operacional da CGU. Neste momento uma boa parte da nossa capacidade operacional está dedicada exclusivamente para acompanhamento dos gastos no enfrentamento do Covid-19. As atividades de fiscalização poderão permanecer, mesmo depois de debelada a pandemia.
Em se tratando de 217 municípios existentes no Maranhão, a CGU possui aparato para uma investigação dessa magnitude ao mesmo tempo?
A partir da análise de riscos que a CGU realiza eu diria que temos capacidade para enxergar grande parte dos problemas. E a CGU não está sozinha nessa tarefa. A atuação com órgãos parceiros da Rede de Controle da Gestão Pública amplifica esse acompanhamento.
A população pode ajudar a CGU a fiscalizar os recursos públicos a serem aplicados nos seus municípios?
A análise de riscos da CGU também contempla os casos das denúncias que são recebidas. A população é quem mais tem condições de reportar de forma enriquecida o que está acontecendo na sua realidade local, o que pode ajudar bastante a desbaratar esquemas de desvios. Os canais de denúncia estão abertos e disponíveis tanto fisicamente no protocolo da CGU, quanto eletronicamente por meio da Plataforma Falabr no endereço eletrônico http://falabr.cgu.gov.br.
Imagino que deva ser gratificante, por meio das fiscalizações, conseguir barrar uma ação corrupta de um gestor público, principalmente em meio à pandemia do novo coronavírus. Mas é também frustrante saber que, em meio a tanta dor, a tantas perdas, há pessoas pensando em desviar recursos que poderiam salvar vidas?
Essa difícil realidade faz parte do cotidiano dos nossos trabalhos e isso nos traz um dever maior e uma sensibilidade no cumprimento do nosso mister, tanto em agir repressiva, quanto em agir preventivamente. Nesse momento de pandemia e de risco de morte de muita gente, os desvios chocam mais ainda. Nos últimos anos, a CGU tem investido sobremaneira em fortalecer os mecanismos de controle, de forma a impedir o cometimento de fraudes e minimizar os desvios de recursos públicos, incentivando e cobrando a transparência pública, fortalecendo o controle social, buscando instrumentos mais transparentes nas aquisições públicas – a exemplo da exigência do pregão eletrônico-, buscando a atuação em parceria e de forma coordenada com as diversas instituições de defesa do Estado, trocando dados e informações com estruturas de controle dos entes subnacionais, impedindo repasses de valores indevidos, dentre muitas outras. Mas é certo que ainda há um longo caminho a ser percorrido até que vejamos a totalidade dos recursos serem efetivamente aplicados nas políticas públicas.
Passado estado de calamidade decretado por conta da pandemia, haverá algum prazo especial para a prestação de contas dos recursos aplicados? Ou eles devem ser informados na prestação de contas padrão, ao fim do exercício financeiro?
O acompanhamento dos gastos permanece enquanto for necessário. Não há prazo específico para a prestação de contas dos repasses para o enfrentamento do Covid-19. Mas isso não impede em nada o trabalho da CGU em acompanhar os gastos, a exemplo do que aconteceu com a fiscalização dos recursos aplicados pela Prefeitura de São Luís na compra de máscaras. A CGU não precisou solicitar nenhum documento ao município e mesmo assim fez um trabalho bem robusto e consistente sobre a contratação e o fornecimento.
Do Estadão