Em decisão unânime, a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA) manteve o afastamento do prefeito do município de Olho d’Água das Cunhas, Rodrigo Araújo de Oliveira, em julgamento de agravo interno. De acordo com o voto do relator, desembargador José Luiz Almeida, há necessidade da manutenção da medida cautelar de afastamento, notadamente em razão da concreta probabilidade de o agravante, na chefia do Poder Executivo Municipal, voltar a praticar as condutas lesivas ao erário pelas quais vem sendo acusado, em diversas ações penais e cíveis.
O relator rememorou que, nos autos, Rodrigo Araújo de Oliveira é acusado de, no exercício do cargo de prefeito, em conluio com cinco outros réus, ter praticado as condutas descritas nos artigos 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67 (que trata de crimes de responsabilidade dos prefeitos), e 90, da Lei nº 8.666/93 (Lei das Licitações), que, em tese, beneficiaram a contratação da empresa Esmeralda Locações, Construções e Serviços, e que, em princípio, causaram prejuízo aos cofres públicos na ordem de R$ 874.060,00.
Tudo teve início quando o Ministério Público do Estado (MPMA) ofereceu denúncia contra Rodrigo de Oliveira pela prática, em tese, dos crimes citados. À época, o órgão pediu concessão de medida cautelar de afastamento do prefeito do cargo, a fim de evitar a continuidade delitiva, destacando outras denúncias ajuizadas no TJMA contra o gestor, pela prática de crimes contra a administração pública, respondendo, ainda, perante o juízo de primeira instância, por mais outras quatro ações cíveis por ato de improbidade administrativa.
DECISÕES ANTERIORES – De acordo com o relator, a primeira decisão da 2ª Câmara Criminal do TJMA ocorreu em sessão no mês de novembro de 2018, quando, por unanimidade, recebeu a denúncia e afastou o réu do cargo de prefeito.
Em janeiro de 2019, o presidente da Corte, nos autos do processo nº 43269/2018, concedeu efeito suspensivo a recurso especial manejado contra a decisão colegiada da 2ª Câmara Criminal, especialmente na parte em que determinou o afastamento do cargo de prefeito.
Inconformado, o Ministério Público ingressou com agravo interno, julgado em abril de 2019, ocasião em que o Pleno decidiu negar provimento ao recurso.
Em sessão colegiada, em dezembro de 2019, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter a decisão da 2ª Câmara Criminal, de recebimento da denúncia e afastamento do prefeito.
No dia 17 do mesmo mês, a Procuradoria-Geral de Justiça protocolou o requerimento, com o objetivo da adoção das providências necessárias ao cumprimento da decisão do STJ, que cassou a suspensão do afastamento.
Ainda de acordo com o relator, no dia 15 de janeiro de 2020, o presidente do TJMA determinou a remessa dos autos, com base em norma do Regimento Interno do TJMA.
Com o feito concluso no dia 20 de janeiro deste ano, nesta mesma data a defesa do réu Rodrigo Araújo de Oliveira protocolou petição com a pretensão de ver revogada a medida cautelar de afastamento do cargo de prefeito.
ARGUMENTOS – O desembargador José Luiz Almeida prosseguiu, dizendo que, dentre os argumentos apresentados pela defesa do prefeito, estão o de que a medida cautelar foi proferida em novembro de 2018, não se tendo mais nenhuma “notícia de novas ações penais/inquéritos deflagrados contra o requerente”, não havendo, portanto, “motivação atual (contemporânea) para mantê-lo afastado do exercício das funções para as quais o povo de Olho d’Água das Cunhãs, soberanamente, o escolheu”.
Outro argumento apresentado pela defesa foi de que, no que se refere à decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, “pelo menos no presente momento, [o TJMA] não tem competência para dar cumprimento”, uma vez que protocolou, no dia 18/12/2019, Recurso de Embargos de Declaração, ou seja, o Tribunal da Cidadania “não esgotou sua jurisdição sobre a quaestio em debate”.
O relator disse que, diante do pedido descrito, foi concedido vista dos autos à PGJ que, em parecer protocolado no dia 30 de janeiro do mesmo mês, asseverou que o pedido de revogação da medida cautelar “afronta a decisão do Superior Tribunal de Justiça” e, por esta razão, deveria o pleito ser indeferido, ressaltando a imperiosa necessidade de se dar “integral cumprimento ao decisum do STJ”.
Acolhendo a manifestação ministerial, o relator determinou o imediato cumprimento da decisão proferida pela Sexta Turma do STJ, com o pronto afastamento do agravante do cargo de prefeito do Município de Olho d’Água das Cunhãs/MA.
AGRAVO INTERNO – A defesa do prefeito ajuizou agravo interno, no qual sustentou, em síntese, em questão de ordem, que o TJMA não tem competência para processar e julgar, originariamente, a ação penal, haja vista que os crimes narrados na denúncia foram supostamente praticados durante o seu primeiro mandato (quadriênio 2013/2016), e, em virtude da sua reeleição (quadriênio 2017/2020), “não há que se falar em prorrogação da competência, devendo os autos serem encaminhados ao Juízo de primeiro grau, com a anulação dos atos decisórios, sob pena de violação ao princípio do Juiz Natural”.
A defesa do réu também sustentou a necessidade de ser reconsiderada a decisão de afastamento cautelar, invocando, mais uma vez, a tese de ausência de contemporaneidade entre os fatos supostamente praticados e a decisão de afastamento do cargo de Prefeito;
Por fim, alegou que os ministros da Sexta Turma do STJ ainda não julgaram o recurso de embargos de declaração, ou seja, o STJ ainda não esgotou sua jurisdição sobre a questão em debate.
VOTO – Em relação à questão de ordem, na qual o agravante pretende ver reconhecida a incompetência do Tribunal de Justiça para processar e julgar o agravo, o desembargador José Luiz Almeida entendeu que a irresignação não merece prosperar.
O relator verificou que o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao apreciar questão de ordem suscitada pelo ministro Luís Roberto Barroso, na Ação Penal nº 937/RJ decidiu restringir o alcance da prerrogativa de foro por função.
Em resumo, disse que, a partir do referido precedente, a Suprema Corte passou a restringir o alcance do foro privilegiado para adequá-lo à finalidade da norma, que é a proteção do livre exercício do mandato eletivo, cargo ou função, e não do indivíduo que o ocupa.
“Daí porque essa exegese preconiza que a prerrogativa de foro circunscreve-se, apenas, aos crimes praticados durante o exercício do cargo e relacionados à função desempenhada, não obstante a amplitude semântica da redação dos preceitos constitucionais”, ressaltou José Luiz Almeida, ao completar que o STJ, por sua vez, não destoa da jurisprudência do STF.
PECULIARIDADE – Entretanto, prosseguiu o relator, o caso posto a exame apresenta uma peculiaridade, pois, após a suposta prática dos crimes narrados na denúncia do MPMA, Rodrigo Araújo de Oliveira foi reeleito para o mandato imediatamente subsequente, no mesmo cargo público de prefeito do Município de Olho d’Água das Cunhãs/MA.
O desembargador lembrou que os fatos imputados ao agravante ocorreram em 2013, no curso do seu primeiro mandato como prefeito (quadriênio 2013/2016), sendo que ele foi reeleito para o mesmo cargo público, no período subsequente (quadriênio 2017/2020).
José Luiz Almeida destacou que não houve, portanto, qualquer intervalo ou hiato entre os mandatos de prefeito, cargo que, por disposição constitucional (art. 29, inciso X, da Constituição da República), atrai a competência para o Tribunal de Justiça do Maranhão.
O relator afirmou que, nesses casos em que o delito é praticado em um mandato e o réu é reeleito para o mesmo cargo, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido no sentido de que a continuidade do agente público no cargo por força de reeleição acarreta a manutenção do foro por prerrogativa de função.
De acordo com o parecer da PGJ, o relator indeferiu a questão de ordem levantada pela defesa e, por consequência, reafirmou a competência do TJMA para processar e julgar o agravo
Em relação à alegação da defesa do prefeito, de que tenha manejado embargos de declaração perante o STJ, o desembargador disse que, de acordo com o caput do artigo 1.026, do Código de Processo Civil, tal recurso não possui efeito suspensivo.
Em consulta ao site do STJ, o relator constatou que, no dia 3 de março de 2020, “a Sexta Turma, por unanimidade, rejeitou os embargos de declaração, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator”.
Observou que, logo em seguida, a defesa protocolou embargos de divergência. Todavia, no dia 13 de abril de 2020, o Ministro Og Fernandes decidiu por não conhecer tal recurso.
Registrou o desembargador, por fim, que a defesa de Rodrigo Araújo de Oliveira também impetrou o habeas corpus nº 565985/MA. No entanto, o Ministro Sebastião Reis Júnior o indeferiu liminarmente.
INVIÁVEL – “Dessa forma, o acolhimento das alegações do agravante mostra-se inviável, e não passam de mera repetição das mesmas razões apresentadas no pedido anterior de fls. 985/993 e, como visto, nos recursos e habeas corpus manejados perante o STJ”, disse José Luiz Almeida.
O relator entendeu que, indiscutivelmente, não há que se falar em ausência de justificativa concreta para o afastamento do réu do cargo de prefeito do Município de Olho d’Água das Cunhãs/MA.
O desembargador disse que, de fato, a decisão colegiada de afastamento, proferida pela 2ª Câmara Criminal, é datada de 29/11/2018. Mas, ao contrário do que quer fazer crer a defesa na petição, cujos argumentos foram posteriormente repetidos, a situação do agravante já não é mais a mesma de outrora.
“Na verdade, ela se agravou, já que, em agosto de 2019, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Maranhão deflagrou uma nova ação penal em desfavor do acusado, ao receber, por unanimidade, a denúncia contida nos autos do processo nº 0004758-76.2017.8.10.0000 (50063/2017)”, explicou o relator.
O desembargador José Luiz Almeida concluiu seu voto, considerando inconteste a necessidade da manutenção da medida cautelar de afastamento. E que, da análise do recurso, verifica-se que a parte agravante não apresentou fundamentos aptos a ensejar a modificação da decisão.
De acordo com o parecer da Procuradoria Geral de Justiça, o relator negou provimento ao recurso de agravo interno, para manter intacta a decisão monocrática anterior, bem como reafirmar a competência da 2ª Câmara Criminal para processar e julgar o feito.
Os desembargadores Vicente de Paula Gomes de Castro e Tyrone José Silva acompanharam o voto do relator.