MPF alerta sobre riscos do PL que amplia liberação da posse e do porte de armas de fogo no Brasil

A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) e a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial e Sistema Prisional (7CCR), ambas do Ministério Público Federal, encaminharam ao Congresso Nacional uma Nota Técnica acerca das inconstitucionalidades do Projeto de Lei 3.723/2019. A proposição legislativa deve ser votada nesta quarta-feira (30) pelo Plenário da Câmara dos Deputados, em regime de urgência. O PL 3.723 busca alterar o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) ampliando o acesso à posse e ao porte de armas de fogo no país. A medida também autoriza a compra de farto arsenal por qualquer cidadão (até seis armas) e por caçadores e praticantes de tiro esportivo (mínimo de 16), além de enfraquecer a capacidade de controle pela Polícia Federal e pelo Comando do Exército sobre o destino e uso dessas armas. “Se aprovada, a nova legislação representará o fim do Estatuto do Desarmamento. Trata-se de um novo Estatuto para armar a população, com os riscos de aumento exponencial da violência letal por arma de fogo no país”, alertam os órgãos do MPF.

No documento, a PFDC e a Câmara de Controle da Atividade Policial apontam que a proposição legislativa altera a pedra angular do modelo restritivo para a aquisição de armas de fogo por particulares, fixado no Estatuto do Desarmamento. “A aquisição de arma de fogo de uso permitido, nos termos da legislação atual, depende da declaração de sua efetiva necessidade por parte do interessado. Porém, nas sucessivas alterações à regulamentação da Lei 10.826 promovidas ao longo deste ano, o governo tem buscado afastar essa exigência, por distintos mecanismos – medida cuja ilegalidade vem sendo reiteradamente evidenciada. Com o Projeto de Lei 3.723, abole-se por completo esse requisito”.

De acordo com o texto da proposição legislativa, poderá ser possuidor de arma de fogo de uso permitido qualquer pessoa com idade mínima de 25 anos que comprove ter ocupação lícita, certificado de capacidade técnica, laudo de aptidão psicológica para manuseio de armas de fogo e certidão de inexistência de antecedentes criminais. “Há uma autorização geral para que os cidadãos tenham arma de fogo. E pior, estará automaticamente permitida a aquisição e o registro de até seis armas curtas ou longas, o que parece ser absolutamente desproporcional em relação ao que se poderia supor como necessário para a defesa pessoal”, destacam os órgãos do MPF. No caso de agentes públicos, a proposta do PL 3.723/2019 é autorizar, sem qualquer justificativa concreta, a aquisição de até dez armas de fogo. E não apenas as de uso permitido, mas também armamentos de uso restrito – o que inclui fuzis e rifles automáticos e semiautomáticos, sem limitação de potência.

Milícias e organizações criminosas –  Acerca desse aspecto, os órgãos do Ministério Público Federal voltam a chamar atenção quanto aos riscos, já apontado em outras Notas Técnicas que tratam do tema, da automática liberação da aquisição desse quantitativo de armas por todo e qualquer membro das Forças Armadas ou da polícia – sem aferição de necessidade e de existência de antecedentes criminais. “A enorme facilidade que o substitutivo do PL oferece para a formação de poderosos e numerosos arsenais por quaisquer policiais ou membros das Forças Armadas, sem controle das próprias corporações, amplia os riscos desses profissionais serem coagidos ou cooptados por organizações criminosas para adquirir e revender-lhes armas de fogo, inclusive de alto poder destrutivo, como fuzis automáticos ou semiautomáticos. A gravidade desse cenário é tão elevada que não é exagerado supor que as milícias, indiretamente, poderão terminar sendo as mais favorecidas pela medida ora proposta”, reforça a Nota Técnica encaminhada aos parlamentares.

No documento, a PFDC e a 7CCR apontam ainda que o PL a ser votado pelo Plenário da Câmara também propõe ampliar as categorias que terão permissão de levar consigo armas de fogo. A proposta é que os integrantes de todas as guardas municipais terão porte mesmo fora de serviço, assim como forças de segurança de Assembleias Legislativas, agentes de segurança do sistema socioeducativo, integrantes das perícias criminais oficiais, quaisquer profissionais de segurança (pública ou privada) cuja atividade laboral é exercida com arma de fogo, oficiais de justiça e servidores que atuam no Sistema Nacional de Meio Ambiente.

Para a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Câmara de Controle Externo da Atividade Policial, essa ampliação do rol de casos em que será concedido o porte independentemente de demonstração concreta de sua real necessidade é despropositada, pois está desacompanhada de estudos que evidenciem sua adequação ao interesse público. “Toda a atividade de produção normativa não pode se dissociar do objetivo fundamental inscrito no artigo 3º da Constituição, de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. A prioridade concedida ao indivíduo, com sua autorização para comprar e portar armas, sem benefícios para a segurança geral, desafia esse postulado, o que é suficiente para considerar a proposta incompatível com a própria Constituição”.

Regime de urgência – O Projeto de Lei 3.723/2019 foi remetido pelo governo federal ao Congresso Nacional em regime de urgência constitucional, segundo o qual a Câmara dos Deputados e o Senado Federal devem se manifestar sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até 45 dias – sob pena de que sejam sobrestadas todas as demais deliberações legislativas, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado. Em sua versão original, o PL era composto de basicamente cinco dispositivos, mas a versão preliminar do texto substitutivo do projeto já conta com mais de 70 proposições de artigos.

“É importante assinalar que a Lei 10.826/2003 tem 37 artigos, e apenas esse dado quantitativo revela que o substitutivo supera a própria norma alterada em dimensão e, consequentemente, complexidade. Como consequência, é enorme a dificuldade posta para a própria Câmara dos Deputados em deliberar tão vasta legislação sob o regime da urgência constitucional”, apontam os órgãos do MPF. A Nota Técnica chama atenção ainda para o fato de que os exíguos prazos de deliberação decorrentes da fixação do regime de urgência são ainda incompatíveis com a necessidade de discussão da matéria também com os demais atores envolvidos na temática – tais como gestores de segurança pública de todos os níveis federativos, policiais, academia, organizações da sociedade civil, movimentos sociais e órgãos estatais de defesa dos direitos humanos.

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