Vice-PGE é contrário ao adiamento do pleito e à prorrogação de mandatos

“Retirar do cidadão o direito de exercer o seu voto de forma periódica, ou seja, dentro do prazo previsto constitucionalmente, configura grave ofensa ao princípio democrático”, sustenta o vice-procurador-geral Eleitoral, Renato Brill de Góes, em manifestação enviada nesta terça-feira (26) ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No documento, Brill de Góes se posiciona contrário ao adiamento das Eleições 2020 em razão da pandemia da covid-19 e à extensão dos mandatos dos atuais prefeitos. “Por se tratar de elemento fundamental à manutenção da democracia, eventual debate a respeito de alteração do calendário eleitoral deve ser feito com prudência, sendo tal alteração a última opção”, frisa o vice-PGE, enfatizando que os cidadãos foram às urnas em outubro de 2016 para eleger seus representantes de âmbito municipal “para os quatro anos seguintes, e não mais que isso”.

Para Brill de Góes, se for inevitável a alteração das datas previstas para o pleito de 2020, é necessária gestão do TSE junto ao Congresso Nacional, a fim de que haja emenda constitucional que faça inserir dispositivo no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) para esse fim específico, e desde que as eleições sejam realizadas ainda este ano. “Em nenhuma hipótese, porém, afigura-se viável a extensão dos mandatos em curso, uma vez que tal proceder representaria ofensa à temporariedade dos cargos eletivos, ínsita ao regime democrático, e, consequentemente, supressão à periodicidade do voto, o que é vedado pelo inciso II do §4º do art. 60 da Constituição Federal”, sustenta.

No documento, o vice-procurador-geral Eleitoral destaca que a temporariedade dos mandatos e a alternância de poder são indissociáveis da forma republicana de governo e do regime democrático. “Inviável dentro de tal modelo, portanto, defender a prorrogação de mandatos, seja por qual tempo for, ainda que diante de uma situação extrema com a pandemia que ora se apresenta”, assevera. Para ele, não há como defender ideais democráticos com atitudes antidemocráticas.

Brill de Góes aponta que a proteção das instituições conformadoras da democracia “afigura-se necessária para que esta não se transforme em tirania”. Ele explica que entre essas instituições encontra-se o voto periódico, cláusula pétrea prevista na Constituição. “Indubitável a impossibilidade de prorrogação dos mandatos em curso, em razão da adoção, pela Constituição Federal de 1988, da forma republicana de governo e do regime democrático, dos quais a temporariedade dos mandatos e a periodicidade do voto são consectários”, defende.

Anualidade eleitoral – Outro princípio ressaltado pelo vice-PGE é o da anualidade eleitoral (anterioridade eleitoral). Ele explica que esse princípio determina que a lei que alterar o processo eleitoral não se aplicará à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Brill de Góes destaca que o princípio da anualidade tem o objetivo de evitar alterações abruptas das normas eleitorais, de forma a garantir o equilíbrio entre os participantes do pleito, ou seja, as condições iguais de competitividade.

Segundo o vice-PGE, dentro dessa hipótese, e considerando a excepcional situação gerada pela pandemia de covid-19, a alteração das normas que regem as eleições municipais de 2020 não ofenderá o princípio da anualidade. Para ele, o cenário fático que se apresenta no Brasil e no mundo em razão da pandemia, à qual todos estão submetidos, “autoriza excepcionalmente a alteração das normas que regulam o processo eleitoral para serem aplicadas ainda no pleito de 2020”. Ele alerta, entretanto, que a alteração somente deve ocorrer diante de sua inevitabilidade, e restringir-se à postergação das datas do pleito até novembro deste ano, com a consequente diplomação dos eleitos ainda em 2020, de modo que a posse ocorra impreterivelmente em 1º de janeiro de 2021.

Calendário eleitoral – O vice-procurador-geral Eleitoral defende que, no caso inevitável de alteração das datas das eleições municipais, prevista para outubro, haja articulação do TSE, por sua presidência junto ao Congresso Nacional para que a eleição seja postergada em no máximo 30 dias, “a fim de que sejam atendidos os prazos para a prestação de contas de campanha, nos termos do art. 29 da Lei 9.504/1997, sem a qual resta impossibilitada a diplomação dos eleitos”. Nesse contexto, o Ministério Público Eleitoral sugere que o primeiro turno seja realizado em 25 de outubro, e o segundo, onde houver, em 15 de novembro.

De acordo com o vice-PGE, partindo-se do princípio de que os atuais mandatos devem se encerrar em 31 de dezembro deste ano – em observância à forma republicana e ao regime democrático –, “parece flagrante a impossibilidade de que a eleição ocorra, por exemplo, em dezembro”. Isso impossibilitaria o cumprimento dos prazos previstos em lei e não deixaria tempo hábil para a diplomação dos eleitos, antes de 1º de janeiro do ano que vem.

Sobre as convenções partidárias, previstas para o período de 20 de julho a 5 de agosto, o vice-PGE aponta a existência de três consultas no TSE sobre o tema e ressalta que a Procuradoria-Geral Eleitoral manifestou-se favoravelmente à realização de convenções partidárias de forma virtual. “Destacada a possibilidade de manutenção das convenções partidárias e o registro dos candidatos como previsto no calendário eleitoral, a consequência lógica é a desnecessidade de alteração do prazo para a impugnação dos registros de candidatura”, sustenta.

Pandemia – O vice-PGE apresenta no documento enviado ao TSE estudos com previsões de que entre o fim de julho e início de agosto a pandemia de covid-19 no Brasil esteja estabilizada, com início de sua curva descendente. “Diante de tal contexto, entende-se que a curva preditiva de tais estudos permite sejam mantidas as datas estabelecidas no art. 29, II, da Constituição Federal para a realização das eleições, afastando-se a hipótese de seu adiamento”, assinala.

Em outro trecho da petição, Brill de Góes recorda que em distintos momentos da história, em situações extremas, “o direito ao sufrágio foi garantido”. Como exemplo, aponta que durante a Guerra Civil americana, em 1864, Abraham Lincoln foi reeleito presidente dos Estados Unidos. Cita que sob a gripe espanhola, que durou de 1918 a 1920, eleições americanas para o Senado e para a Câmara foram realizadas, em 1918, no curso da 1ª Guerra Mundial. E em 1919, houve eleição presidencial no Brasil. Destaca também duas eleições presidenciais americanas, em 1940 e 1944, período da 2ª Guerra Mundial. Por fim, cita a conclusão de eleições parlamentares da Coreia do Sul, em abril de 2020, já sob as circunstâncias da covid-19, com a taxa mais alta de participação dos eleitores em qualquer eleição parlamentar, desde 1992. O vice-PGE apresenta no documento as recomendações da Comissão Eleitoral Nacional da Coreia do Sul para as eleições.

O vice-PGE aponta ainda que a eleição presidencial americana está prevista para novembro deste ano e apresenta uma série de recomendações para os locais de votação formuladas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC). Para ele, tanto as orientações da Coreia do Sul quanto as apresentadas pelo CDC dos EUA podem servir de parâmetro para adequação dos procedimentos no processo eleitoral brasileiro. Nesse contexto, pleiteia “sejam solicitadas informações, bem como o auxílio dos Ministérios da Saúde e do Desenvolvimento Regional, a fim de que seja elaborado o protocolo de segurança a ser seguido no decorrer do processo eleitoral, cujo objetivo é garantir as condições necessárias à salvaguarda dos direitos à vida, à saúde e ao voto periódico, nos termos da Constituição Federal.”

Íntegra da petição.

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