A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu liminar nesta terça-feira (14) para suspender a prisão preventiva do ex-presidente Michel Temer, que estava detido desde sexta-feira (10) em São Paulo. A mesma decisão foi aplicada ao caso do Coronel Lima, apontado pelo Ministério Público Federal (MPF) como operador financeiro do ex-presidente.
Temer e Lima são investigados no âmbito da Operação Descontaminação, que apura esquema de corrupção em contratos públicos no setor de energia. Também são apurados crimes como peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Por unanimidade, o colegiado acompanhou o voto do relator, Antonio Saldanha Palheiro, pela substituição da prisão preventiva de Michel Temer e do Coronel Lima pelas seguintes medidas cautelares:
a) proibição de manter contato com outros investigados sobre os fatos em apuração – salvo aqueles que mantêm relação de afinidade ou parentesco entre si;
b) proibição de mudar de endereço e de ausentar-se do país sem autorização judicial;
c) entrega do passaporte;
d) bloqueio dos bens, até o limite de sua responsabilidade – a ser apurada individualmente pelo juízo de origem competente;
e) proibição de ocupar cargo público ou de direção partidária; e
f) compromisso de comparecimento em juízo, para todos os atos designados pela autoridade competente.
O ministro Saldanha Palheiro destacou que o juízo de primeira instância não analisou o cabimento das medidas cautelares diversas da prisão, e não deu uma “explicação sobre a razão especial para que apenas a prisão preventiva fosse adequada ao caso concreto”.
A defesa do ex-presidente alegou que o decreto prisional está fundado em afirmações genéricas, sem apresentação de fundamentos concretos que justifiquem a medida. De acordo com os advogados, os supostos fatos criminosos ocorreram há muito tempo, o que evidencia a ausência de contemporaneidade entre os atos apurados e o decreto de prisão.
Fatos antigos
Segundo o ministro relator, a prisão não é justificada no caso analisado, tendo em vista que os fatos apontados como criminosos ocorreram entre 2011 e 2015, período em que Temer era vice-presidente da República. Para o MPF, Temer, suposto líder da organização criminosa, usava a sua influência para interferir em processos e se beneficiar de vantagens indevidas.
“Frisa-se que, além de razoavelmente antigos os fatos, o prestígio político que teria sido essencial para a empreitada criminosa não mais persiste, visto que o paciente Michel Temer deixou a Presidência da República no início deste ano e não exerce, atualmente, cargo público de destaque e relevância nacional”, fundamentou Saldanha.
O ministro destacou que, embora o juízo competente para o caso tenha destacado que ligações telefônicas ou mensagens pela internet sejam suficientes para permitir a ocultação de grandes somas, “não foi retratado nenhum fato concreto recente do paciente direcionado a ocultar ou destruir provas, ou a impedir a aplicação da lei penal”.
De acordo com o relator, a ausência de contemporaneidade entre os fatos e o decreto de prisão, a circunstância de não haver delito cometido mediante violência ou grave ameaça, as condições pessoais do investigado e a íntima relação dos crimes supostamente praticados com o cargo de vice-presidente da República – do qual Temer já se afastou – “demonstram a suficiência, a adequação e a proporcionalidade da imposição das medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal”.
Gravidade abstrata
Saldanha Palheiro ressaltou que a gravidade abstrata dos fatos imputados ao investigado não é fundamento idôneo para justificar a prisão preventiva.
O ministro destacou que, subtraindo a gravidade dos fatos, seria essencial a presença da contemporaneidade para embasar o decreto prisional com o objetivo de preservar a instrução criminal e impedir a ocultação de provas.
“Sem essa contemporaneidade, a prisão cautelar se torna uma verdadeira antecipação de pena, o que repercute negativa e abusivamente nas garantias fundamentais do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa”, afirmou o relator ao citar as garantias constitucionais.
Saldanha Palheiro lembrou que os depoimentos dados em delação premiada por um dos executivos envolvidos nos fatos não podem servir de amparo, isoladamente, para a determinação de medida cautelar restritiva da liberdade, já que o depoimento de um delator “é mero meio de obtenção de prova”.
Expondo as chagas
A ministra Laurita Vaz, primeira a votar após o relator, destacou os esforços do STJ no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e a outros crimes contra a administração pública.
“Diferentemente de tempos atrás, os órgãos de persecução penal têm sido mais efetivos na investigação, no processamento e julgamento de crimes de lesa-pátria. Têm-se visto várias autoridades públicas e grandes empresários serem processados e condenados por esses crimes. Assim, parece que o país atravessa uma necessária fase de exposição de suas chagas, num hercúleo esforço de curá-las.”
Laurita Vaz destacou que não se discute a gravidade das condutas investigadas, porém o que está em questão não é a antecipação da pena, mas a verificação da necessidade de medidas cautelares, em especial a prisão preventiva.
“Parece-me claro que, a despeito da demonstração da gravidade das condutas imputadas ao paciente e da existência de indícios de autoria, não há nenhuma razão concreta e atual para se impor a prisão cautelar, uma vez que inexiste a demonstração de risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal”, concluiu a ministra, ao acompanhar o voto do relator.
Garantia constitucional
Último a votar, o presidente do colegiado, ministro Nefi Cordeiro, lembrou que a contemporaneidade é requisito necessário a toda medida cautelar, de forma que não é possível determinar uma prisão hoje porque houve um fato grave no passado. “Não se pode, durante o processo, prender pela gravidade abstrata do crime; não se pode prender porque os fatos são revoltantes; não se pode prender porque é o acusado estrangeiro, rico ou influente. Não se pode, durante o processo, prender como resposta a desejos sociais de justiça instantânea”, afirmou.
Nefi Cordeiro destacou que manter uma pessoa solta durante a ação criminal não representa impunidade, mas respeito a uma garantia constitucional, que só pode ser afastada quando comprovados riscos legais. Ele também apontou que o juiz “não é símbolo de combate à criminalidade”, mas um definidor da culpa provada na ação penal, sem admitir pressões por punições imediatas.
“Assim, somente sendo comprovados os legais riscos atuais, deverá dar-se o processamento com o acusado preso. Prisão final é resposta ao crime, prisão cautelar é resposta a riscos ao processo”, declarou o ministro.
Liminar derrubada
Na decisão de prisão preventiva, o juiz da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro entendeu ser necessária a custódia cautelar para garantir a continuidade da instrução criminal, além de impedir que os investigados possam destruir provas de condutas ilícitas. Na semana passada, o Tribunal Regional da 2ª Região (TRF2) cassou uma liminar que garantia a liberdade de Temer e restabeleceu a prisão preventiva do político.
Após parecer do MPF, o mérito do habeas corpus ainda será julgado pela Sexta Turma do STJ. Não há previsão de data para o novo julgamento.
Leia os votos:
Ministro Antonio Saldanha Palheiro (relator)
Ministra Laurita Vaz
Ministro Rogerio Schietti Cruz
Ministro Nefi Cordeiro (presidente da turma)