A Procuradoria-Geral da República (PGR) recorreu nesta segunda-feira (21), da decisão monocrática proferida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques, que considerou inconstitucional parte da Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010). Encaminhado ao presidente da Suprema Corte, ministro Luiz Fux, o recurso pede a revogação imediata da decisão proferida no último sábado (19) ou, de forma subsidiária, que seja assegurada a manutenção das decisões judiciais tomadas com base no trecho questionado da lei até que plenário do STF aprecie o tema. O propósito é evitar implicações na composição de prefeituras e câmaras de vereadores definida nas eleições municipais de 2020. A PGR pediu a manutenção do entendimento vigente, deixando para o Plenário decidir sobre eventual mudança do quadro normativo, com modulação temporal.
Ao analisar o pedido apresentado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na Ação Direta de Inconstitucionalidade 6630, o ministro declarou inconstitucional o trecho “após o cumprimento da pena” previsto no artigo 2º da Lei da ficha Limpa. Na decisão, Nunes Marques afirmou que a redação atual da norma pode gerar uma inelegibilidade por tempo indeterminado, uma vez que a sua duração dependeria do tempo de tramitação dos processos. Conforme a lei vigente há uma década, são inelegíveis condenados em decisão transitada em julgada ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o prazo de oito anos após o cumprimento da pena. A medida vale para os crimes previstos na norma, caso de delitos contra o patrimônio público e meio ambiente, por exemplo. A liminar concedida pelo ministro antecipa o início da contagem dos oito anos.
No recurso – um agravo regimental – , o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, aponta pelo menos cinco “obstáculos jurídicos” para que o pedido fosse aceito. O primeiro mencionado é o princípio da anualidade, segundo o qual alterações do processo eleitoral só podem ser aplicadas em votações que ocorram no mínimo um ano após a data de vigência do normativo. “A superação monocrática desse precedente obrigatório é ato que não encontra respaldo na legislação sendo capaz de ensejar grave insegurança jurídica no relevante terreno do processo eleitoral – expressão máxima da vontade popular”, pontua em um dos trechos do documento.
Outro impedimento destacado no recurso, é o fato de o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) possuir um enunciado que prevê expressamente a inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, seja ela privativa de liberdade, restritiva de direito ou multa. Jacques de Medeiros sustenta, ainda, que a liminar permite a quebra da isonomia em um mesmo processo eleitoral, uma vez que alcança apenas os processos de registro de candidatura das eleições de 2020 ainda pendentes de apreciação. Para o vice-PGR, “a decisão criou, no último dia do calendário forense, dois regimes jurídicos distintos numa mesma eleição, mantendo a aplicação do enunciado nº 61 da Súmula do Tribunal Superior Eleitoral aos candidatos cujos processos de registros de candidatura já se encerraram”.
O quarto obstáculo para o acatamento do pedido apresentado pelo PDT refere-se ao fato de a Suprema Corte já ter discutido e confirmado a constitucionalidade da Lei da ficha Limpa, inclusive no trecho questionado pela legenda. No recurso, são mencionados os julgamentos das ações declaratórias de constitucionalidade 29 e 30, além da ADI 4578. Nessa oportunidades, o STF rejeitou a tese que defendia “a detração do lapso temporal decorrido entre a condenação por órgão colegiado e o trânsito em julgado quando do cálculo do prazo de inelegibilidade de 8 (oito) anos
posterior ao cumprimento da pena”.
Por fim, sustenta o vice-PGR, que não procede a interpretação – externada pelo ministro na liminar – de que os efeitos da norma somente vieram a ser sentidos pelos candidatos no processo eleitoral de 2020. Conforme detalhou, a Suprema Corte já reconheceu a aplicação Lei da Ficha Limpa em relação fatos anteriores à sua publicação, em razão da ausência de direito adquirido a regime jurídico eleitoral. Naquela oportunidade (julgamento das ADCs 29 e 30 e ADI 4578), ficou estabelecido ainda que o registro de candidatura seria marco temporal para a incidência das regra.
Para ele, como a constitucionalidade da Lei 135/2010 já foi assentada pelo STF, a questão não pode ser objeto de exame em razão do princípio da abertura da causa de pedir. “É que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal atribui a esse princípio a consequência de que a decisão da ação de controle concentrado de constitucionalidade traz a presunção absoluta de que o ato impugnado foi examinado em relação a todo o texto constitucional”, completa.