A Polícia Federal deflagrou, na manhã desta terça-feira (26), em parceria com a Controladoria Geral da União (CGU) operação em investigação contra possíveis fraudes na compra de respiradores pelo Consórcio Nordeste em meio à pandemia da Covid-19.
Batizada de Cianose, a ação cumpriu 14 mandados de busca e apreensão em Salvador – cujo governador, Rui Costa (PT), era o presidente do colegiado à época das malsucedidas compras -, no Distrito Federal, e nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro. As autorizações foram expedidas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em Salvador, a operação é cumprida em um prédio de luxo no Corredor da Vitória. Um dos alvos dos mandados, segundo reportagem do G1, é Bruno Dauster, ex-secretário da Casa Civil do governador Rui Costa. O governador também é investigado, mas não é alvo de mandados na ação desta terça.
Conforme a PF, o processo de aquisição teve diversas irregularidades, como pagamento antecipado de seu valor integral, sem que houvesse no contrato garantia contra eventual inadimplência por parte da contratada. Ao fim, nenhum respirador foi entregue.
Ainda segundo a PF, os investigados podem responder pelos crimes de estelionato em detrimento de entidade pública, dispensa de licitação sem observância das formalidades legais e lavagem de dinheiro.
O nome da operação, Cianose, tem relação com uma condição de saúde que pode afetar pacientes que passa, por problemas relacionados à má oxigenação do sangue, por exemplo, por uma insuficiência respiratória ou uma doença pulmonar.
Entenda o caso
O Consórcio Nordeste, formado pelos nove estados da região, foi criado em 2019 como ferramenta política e de gestão. Durante parte da pandemia, o consórcio foi responsável por compras conjuntas de alguns equipamentos de combate à Covid-19 para estados. A entidade foi responsável por viabilizar a compra de respiradores para pacientes internados ainda em março de 2020. No entanto, os anúncios de compra dos equipamentos foram seguidos de problemas.
Em abril de 2020, o governo da Bahia, que na época presidia o consórcio, anunciou a compra de 600 respiradores de uma empresa chinesa. Dias depois, o governo anunciou que a compra foi cancelada unilateralmente pelo vendedor. A assessoria do Consórcio Nordeste informou que a carga ficou retida no aeroporto de Miami, nos Estados Unidos. Na ocasião, o valor do contrato era de R$ 42 milhões.
Os problemas ligados à compra dos respiradores culminaram com a saída do ex-secretário da Casa Civil, Bruno Dauster. Em junho de 2020, Dauster admitiu que não foram cumpridos diversos procedimentos obrigatórios na condução dos contratos dos respiradores que não foram entregues ao Consórcio Nordeste. Na ocasião, ele negou que tivesse recebido qualquer valor para intermediar as negociações.
No mesmo mês, três pessoas foram presas durante uma operação da Polícia Civil da Bahia contra a empresa Hempcare, que vendeu e não entregou respiradores ao Consórcio do Nordeste. Além das prisões, a operação Ragnarok cumpriu 15 mandados de busca e apreensão em Salvador, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Araraquara (SP).
Também em junho de 2020, a Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE-BA) entrou com medidas administrativas e judiciais junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), para tentar reverter a decisão que encaminhou para o Superior Tribunal de Justiça (STJ) o processo de investigação a respeito do contrato firmado pelo Consórcio Nordeste com a empresa Hempcare para a entrega de respiradores.
Na ocasião, a Hempcare prometeu devolver os R$ 48,7 milhões investidos nos 300 respiradores mecânicos que não foram entregues. Porém, em entrevista exclusiva à TV Bahia, o empresário Paulo de Tarso, sócio da Biogeoenergy, empresa que fabricaria os equipamentos, declarou que gastou com insumos os cerca de R$ 24 milhões que recebeu de Cristiana Prestes, a dona da Hempcare, que intermediou o processo.
O empresário afirmou que não devolveria o valor investido. O empresário afirmou que gastou totalmente os R$ 24 milhões para poder começar a fabricar os respiradores e acusa o Consórcio Nordeste de não aceitar os equipamentos produzidos pela Biogeoenergy.
Verba do Maranhão
Dos mais de 40 milhões da compra feita pelo Consório, R$ 4,9 milhões foram repassados pelo Governo do Maranhão, ainda na gestão Flávio Dino.
Um procedimento de controle para apurar possível irregularidade na compra, foi aberto pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão (TCE-MA), ainda em 2020. Mas anda lentamente.
E ficou emperrado desde que o chefe da Secretaria de Fiscalização do TCE-MA, Fábio Alex Melo, em relatório de instrução endereçado ao conselheiro Antonio Blecaute, relator do caso, opinou pela conversão do procedimento em tomadas de contas especial.
Alex Melo manifestou-se nos autos de um pedido de suspeição formulado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) contra a auditora estadual de Controle Externo Aline Vieira Garreto, que apontou, em outro relatório de instrução apresentado a Blecaute, o superfaturamento das compras.
No parecer, ele recomenda a inteira rejeição do pedido de suspeição. Para o auditor, o pedido formulado por advogados do secretário Carlos Lula “é de um descalabro sem tamanho, que não merece nenhuma consideração”.
“Fundamentar uma suspeição com fulcro em compartilhamentos realizados pela nobre auditora, em 2013, no seu perfil privado do Facebook, é pueril, sem justa causa e inapropriado, uma vez que não maculam a instrução processual. Ademais, publicações em rede sociais não são capazes de imputar parcialidade a atos de instrução, até porque esses não tinham por conteúdo mensagens dirigidas ao gestor público aqui fiscalizado”, destacou.
Ele também sugere a aplicação de multa ao Governo do Maranhão pela omissão de dados sobre a aquisição no Portal da Transparência.
Controle
Um parecer assinado pela própria auditora Aline Garreto também já era pela conversão do processo em Tomada de Contas Especial, “em face da gravidade das irregularidades apontadas”.
Segundo funcionária do TCE maranhense, uma auditoria da CGU iniciou-se, em abril do ano passado, com uma pesquisa de preços. Em compras efetuadas por estados e municípios, diz o levantamento, o preço médio pago por respirador mecânico foi de R$ 87 mil.
“A CGU analisou compras de 377 entes federados, e em torno de 75% das aquisições realizadas foram de até R$ 135.000,00 por respirador”, destacou Garreto em seu relatório.
O Maranhão, contudo, pagou quase R$ 200 mil, em média, por cada um dos aparelhos, que sequer foram entregues, nas malfadadas tentativas de compra realizadas por intermédio do Consórcio Nordeste.
No primeiro negócio, de R$ 4,9 milhões, cada um dos 30 respiradores custou R$ R$ 164.917,86. O dinheiro foi integralmente pago à HempCare Pharma, e nunca devolvido aos cofres públicos.
No segundo caso, o valor subiu: cada aparelho saiu pela bagatela de R$ 218.592,00 – desta feita, houve devolução do recurso, mas com prejuízo de R$ 490 mil ao Maranhão.
“Os valores negociados pelo Consórcio Nordeste nas duas aquisições foram bem elevados, cabendo ao Estado que foi o repassador dos recursos também motivar e demonstrar o porquê de ter optado por essas aquisições via Consórcio, já que não se mostraram economicamente vantajosas (no primeiro contrato de rateio R$ 164.917,86 e no segundo contrato R$ 218.592,00 por unidade de respirador)”, destacou a auditora do TCE-MA.
Com informações do G1 BA